segunda-feira, 18 de agosto de 2025

IA e Tempo

Conhecemos o cisne negro como metáfora à algo que surpreende e transforma, com Nassim Taleb o primeiro aplicar a teoria no mercado financeiro sugerindo que eventos imprevisíveis como o 11 de setembro ou a pandemia da covid-19 mudam de modo  radical o jogo entre atores econômicos e, com John Elkington, no livro Cisne verde buscando transformar o problema de Taleb em solução ambiental que nos levaria à sobrevivência. Neste contexto surge o cisne cinza termo é usado para modelagem de áreas cinzentas que escapam aos riscos comuns e previsíveis, sugerindo eventos observáveis não totalmente imprevisíveis, quer dizer, um cisne negro ainda pequeno que cresce, conforme ensina a biologia que poderá tornar-se cataclismo ou salvação, dependendo de circunstâncias políticas, quer dizer, o cisne cinza seria o aquecimento global e as mudanças climáticas cujos desdobramentos são visíveis e estão crescendo com suas consequências cujas soluções podem evitar a catástrofe global, sustentáveis, que encontram resistência de grupos políticos e econômicos. Daí, cientistas observaram que redes neurais ainda não conseguem prever eventos climáticos "cisne cinza" e que podem não aparecer nos dados de treinamento existentes, mas podem acontecer, como inundações de 200 anos ou grandes furacões em que modelos IA fazem previsões meteorológicas precisas de curto prazo enquanto redes neurais só fazem previsões com base em padrões do passado. Estudo da Universidade de Chicago com a Universidade de Nova York e Universidade da Califórnia em Santa Cruz, testa os limites da previsão do tempo com IA, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences descobriram que redes neurais não conseguem prever eventos climáticos além do escopo dos dados de treinamento existente que pode deixar de fora eventos como inundações de 200 anos, ondas de calor sem anormais  ou furacões massivos. Tal limitação, segundo os autores, é importante à medida que cientistas incorporam redes neurais em previsões meteorológicas operacionais, sistemas de alerta precoce e avaliações de risco de longo prazo, no entanto, afirmam que há modos de resolver a questão integrando mais matemática e física às ferramentas de IA, com Pedram Hassanzadeh, professor associado de ciências geofísicas na UChicago e autor correspondente do estudo, dizendo que, "modelos climáticos IA são uma das maiores conquistas na ciência, notáveis, mas não mágicos".

O modelo IA é "treinado" inserindo um conjunto de texto ou imagens em um modelo e solicitando que procure padrões e quando o usuário apresenta pergunta e analisa o que viu antes usando para prever resposta, nas previsões meteorológicas, cientistas treinam redes neurais alimentando-as com décadas de dados meteorológicos e o usuário pode inserir dados sobre as condições climáticas atuais solicitando que preveja o tempo dos próximos dias. Surge aí, a preocupação que a rede neural trabalhe apenas com os dados meteorológicos que remontam a 40 anos, daí, "inundações causadas pelo furacão Harvey em 2017 foram consideradas evento que só ocorre uma vez a cada 2 mil anos, por exemplo" e "podem acontecer" com cientistas denominando a este tipo de evento como eventos "cisne cinzento", não chegam a ser um evento cisne negro, algo como o asteroide que exterminou os dinossauros, mas são localmente devastadores. A grande diferença entre redes neurais e modelos meteorológicos tradicionais é que estes últimos "entendem" a física, com cientistas projetando para incorporar a compreensão da matemática e física que regem a dinâmica atmosférica as correntes de jato e outros fenômenos e, no caso do ChatGPT, essencialmente uma máquina de texto preditivo, simplesmente observa padrões climáticos e sugere o que vem a seguir com base no que aconteceu. A IA não pode prever nada mais forte do que já viu, sua utilidade seria limitada à essa tarefa crítica, no entanto, descobriram que o modelo poderia prever furacões mais fortes se houvesse algum precedente, mesmo em outras partes do mundo, em seus dados de treinamento por exemplo, se os pesquisadores excluíssem todas as evidências de furacões no Atlântico mas deixassem os furacões no Pacífico o modelo poderia extrapolar para prever furacões no Atlântico.

Moral da Nota: desdobramentos do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, 2015, está em julgamento em corte inglesa suscitando debates sobre a chamada litigância transnacional em questionamentos envolvendo legitimidade e comparações com o que é chamado de litigância predatória. O processo judicial possui conexões em Estados diversos pela localização do réu não ser a mesma do local onde aconteceu o acidente com desdobramentos em mais de um país, ou, porque possui ativos em um país diferente determinando razões que possibilitam a jurisdição de um fato ocorrido no Brasil ser exercida por um país estrangeiro, chamado de litigância transnacional, e, em relação a Mariana a corte inglesa foi acionada porque a BHP Billiton, acionista da Samarco e responsável pela barragem, tem sede na Europa, daí, o escritório que representa as vítimas conseguir que a  justiça inglesa confirmasse competência para julgar. Passada a arguição e aguardando sentença, surgem questões de ordem levantados contra a ação criticando desde a falta de competência da justiça inglesa a litigância predatória, com especialistas na questão esclarecendo que os argumentos são infundados, já que, na economia globalizada, “existem casos que envolvem múltiplas jurisdições” concluindo que  “uma corporação que opera em múltiplas jurisdições sabe que está sujeita ao sistema jurídico de múltiplos países”, no entanto, especialista em financiamento de litígios e ativos judiciais esclarece que os argumentos são infundados apontando que a lei brasileira determina que uma corte estrangeira e a justiça brasileira podem julgar um mesmo caso ao mesmo tempo, não havendo litispendência internacional, quer dizer, quando uma nova ação judicial é ajuizada com o mesmo pedido, mesmo fundamento. Avalia  que no caso de Mariana os processos são diferentes, pois na ação inglesa há mais pessoas envolvidas, 620 mil, frente aos 230 mil elegíveis aos programas de reparação no Brasil, considerando que não existe entre nós, como na Inglaterra, instrumento à reparação de danos coletivos por grupos privados. Outro conceito em questão é que litigância predatória enfrentada pelas vítimas do desastre sócio-ambiental que buscam reparação em Londres consistindo no uso abusivo do sistema judiciário, quer dizer, de modo geral, ocorre quando uma das partes aciona o judiciário mesmo sem ter direito violado ou com sobrecarga excessiva e desnecessária do sistema de justiça buscando obter benefício para prejudicar diferente do que está sendo pleiteado na ação, por exemplo, protelar ou atrapalhar processo que esteja tramitando em paralelo demonstrado através de sinais incluindo procurações genéricas, petições iniciais sem documentos que comprovem alegações, muitas ações postuladas por um mesmo advogado em um curto espaço de tempo, etc, diferindo da litigância transnacional e da litigância de massa que acontece em defesa de direitos coletivos ou individuais sem uso de técnicas fraudulentas ou mal-intencionadas. O caso Mariana na Inglaterra suscita reflexão a respeito da importância da litigância transnacional considerada por especialistas  como modo de “evitar que determinadas companhias escolham fazer negócios em jurisdições aproveitando-se de fragilidades no sistema local", destacando ações de classe em quase todos os países ricos do mundo mas não na África ou América Latina e, através delas, evita-se que a busca de justiça por danos causados por empresas seja alcançável apenas aos mais ricos. Aponta que o sistema judiciário é parte dos pilares que impedem o desenvolvimento de países, quer dizer,  “o subdesenvolvimento não se caracteriza apenas por baixa renda per capita mas pelas características do sistema jurídico e não obrigar companhias a indenizar os mais pobres é meio de manter a desigualdade social”, aí, a importância da litigância internacional para evitar comportamento oportunista de empresas reconhecido pelo sistema jurídico de países ricos e, “ter companhias causando danos ao indivíduo de outros países, não é algo bom à imagem”.