quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O caso francês

A ONG suíça Public Eye informa que pesticidas fabricados na França, de uso proibido na UE, tiveram 5 destinos em 2023, ou, Brasil, Ucrânia, EUA, Rússia e Reino Unido, com o programa investigativo “Vert de rage” na TV francesa, apontando que produtos importados mais afetados são cafés, chás, especiarias, legumes e frutas, como ameixas e maracujás e, ao analisar 22 amostras de frutas e legumes comprados nas principais redes de supermercados francesas 7 continham resíduos de pesticidas proibidos na Europa.  O documentário cita pesquisa feita pela rede de ONGs Pesticide Action Network Europe, PAN Europe, que analisou dados da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, constatando que os pesticidas proibidos eram mais presentes em determinadas famílias de produtos, esclarecendo que produtos de outros países não carregam sistematicamente pesticidas ou resíduos proibidos na UE mas o risco de detectá-los é maior, apontando que, “os alimentos importados têm 2 vezes mais chances de conter pesticidas proibidos pela UE que os alimentos lá cultivados”, segundo a ‘Vert de rage’ e PAN Europe.  Por exemplo, fruta chinesa contendo clorpirifós, reconhecido como neurotóxico, tóxico à reprodução e desregulador endócrino, e propiconazol, reconhecido como tóxico à reprodução, na UE, o primeiro foi proibido desde 2020 e o segundo desde 2009, as uvas do Peru continham resíduos de imidaclopride, apontado como neonicotinoide, e miclobutanil, retirado do mercado da UE em 2021, além da laranja oriunda da Tunísia contendo malathion, pesticida classificado como “provavelmente cancerígeno” proibido na UE desde 2008, limões taitianos, maracujás e ameixas são outros dos produtos mais afetados, enquanto arroz, abobrinha e banana-da-terra contêm pesticidas.  O programa investigativo concluiu que “pesticidas proibidos na França e na UE foram encontrados nas cestas de compras e em pratos por meio de produtos importados”, com os autores do documentário destacando que em 3 anos, “26,46% dos produtos distribuídos na França contendo pesticidas proibidos vieram da Índia”, tornando esse país “origem mais frequente” desse tipo de problema.  Por fim, o “Vert de rage”  discutiu pesticidas retirados do mercado europeu, mas, produzidos na França para serem exportados à países onde continuam autorizados e, apesar da proibição das vendas na França, há preocupações que a produção desses pesticidas esteja afetando água potável, águas superficiais e lençóis freáticos nas cidades onde as fábricas estão localizadas.  Em 2022, o RASFF, Sistema de Alerta Rápido à Alimentos e Rações, que relata problemas relacionados a produtos agroalimentares, informou que os resíduos de pesticidas eram a principal causa de advertências sobre alimentos e, dentre os produtos distribuídos na França, 104 das 114 notificações diziam respeito à presença de pesticidas proibidos, em 2023, o RASFF emitiu 292 notificações à produtos contendo pesticidas dos quais 77 apresentavam pelo menos um pesticida proibido ou resíduo de pesticida. 

Estudo conduzido entre floristas belgas voluntários para avaliar exposição total medindo concentrações de pesticidas, compostos originais e metabólitos na urina e em 42 amostras, urina de 24 horas,  coletadas de floristas em atividades profissionais, nos 3 períodos comerciais mais importantes, as concentrações de resíduos de pesticidas e metabólitos em urina analisadas com espectrometria de massa e cromatografia líquida multirresíduo, pós extração com acetato de etila. Um total de 70 resíduos, 56 pesticidas e 14 metabólitos foram identificados, com média de 8 resíduos de pesticidas e metabólitos por amostra de urina do florista e concentração total média por amostra de 4,3 µg/g de creatinina,  de 0,2 a 67 µg/g de creatinina, resultados que demonstram serem os floristas belgas expostos diariamente a resíduos de pesticidas com efeito potencial na saúde. Investigação do Le Monde e Franceinfo revelou que agrotóxicos proibidos na França foram encontrados em crianças La Rochelle, costa oeste do país, com moléculas tóxicas de pesticidas proibidos descobertas em análises de 70 crianças da região agrícola de Aunis, onde o número de casos de câncer infantil  se multiplica. Reportam que 14 moléculas diferentes foram encontradas na urina e 45 no cabelo, de cada criança testada, com a fitalimida, por exemplo, detectada na urina de mais de 15% das crianças cuja molécula é produto da decomposição do folpel, fungicida carcinogênico, mutagênico e possivelmente reprotóxico, segundo a Agência Europeia de Produtos Químicos, enquanto o acetamipride e seu metabólito da decomposição no corpo foram detectados na urina de 12 crianças,17%. Na planície de Aunis, área agrícola e de cultivo de cereais perto de La Rochelle, risco de cânceres pediátricos foi identificado em estudo realizado pelo Registro Geral de Câncer de Poitou-Charentes,  laboratório do Inserm no Hospital Universitário de Poitiers, conforme o Le Monde e, desde 2018, a Liga contra o câncer da França financia estudo conduzido pelo Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica, Inserm, e pelo Registro de Câncer de Poitou-Charentes sobre cânceres nas municipalidades da região, com o número de casos aumentando de 6 no 1º período estudado, 2008-2015, para 10 entre 2008 e 2020. Uma ex-florista pediu ao Tribunal de Apelação de Rennes, noroeste, que reconhecesse a morte de sua filha Emmy Marivain  que morreu de leucemia em 12 de março de 2022 aos 11 anos de idade  decorrente exposição a pesticidas na gravidez, com o  Fundo de Indenização às Vítimas de Pesticidas, FIVP, reconhecendo “nexo causalidade entre a patologia de Emmy” e “a exposição a pesticidas no período pré-natal”, no entanto, ao pagar a indenização aos pais, o FIVP não levou “em consideração danos sofridos por Emmy”, reclamou o advogado da família, François Lafforgue, com a mãe de Emmy, Laure Marivain, exposta desde os 20 anos de idade a inúmeros herbicidas no trabalho, ao limpar “manchas azuis e amarelas” das plantas cobertas de pesticidas que recebia em grandes quantidades, conforme o relatório anual, a FIVP reconheceu vínculo causal entre doenças de 4 outras crianças e a exposição pré-natal a pesticidas.

Moral da Nota: pesquisa conduzida pela Unesp, Instituto de Geociências da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, aponta que a reposição do Aquífero Guarani está abaixo à garantir manutenção da quantidade disponível no reservatório, do Sul e Sudeste do país, Paraguai, Uruguai e Argentina, com o reservatório atendendo 90 milhões de pessoas,  respondendo pelo nível de rios e lagos no interior paulista no período de seca. A pesquisa busca entender importância da chuva na entrada de águas novas no aquífero, afloramento, superfície, e confirmação desse papel apontando que efeitos de superexploração do reservatório são constantes, contínuos, piorando com a mudança de distribuição das chuvas na área de afloramento que alimenta o aquífero. O rebaixamento dos níveis chega, em determinados pontos a 100 metros, considerável às dimensões com níveis com 450 metros de espessura do reservatório, chegando a 1 km de profundidade sendo que a maior parte do consumo do Guarani é para abastecimento urbano, enquanto 80% se concentra no estado de São Paulo. A Agência de Águas do Estado de São Paulo, SP Águas, diz que monitora estudos relacionados à recarga do Aquífero Guarani e dos demais corpos d’água do estado, segundo o órgão, “a gestão do aquífero é realizada de modo integrado com outros recursos hídricos visando garantir equilíbrio entre demandas e preservação ambiental”, com a maior parte da captação de água no estado de São Paulo se concentrando em fontes superficiais, rios e lagos, sendo a captação em poços profundos que acessam o Aquífero Guarani, menor parcela do total dos recursos hídricos considerando que  “toda captação de água no estado está sujeita à outorga, concedida pós criteriosa análise técnica”. O Aquífero Guarani é um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo com área estimada de 1,2 milhão de km² e capacidade de armazenamento  em  37 mil km³ de água que poderia abastecer a população mundial por centenas de anos, dependendo do uso.