quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Indiferença

Na conferência petrolífera ADIPEC, de representanttes da indústria global e funcionários do governo em Abu Dhabi, o Sultão Al Jaber, presidente da COP28, instou a indústria reduzir as emissões fósseis e expandir o uso de renováveis insistindo que desempenharia papel essencial na abordagem da crise climática explicando que “durante muito tempo, esta indústria foi vista como parte do problema, que não faz o suficiente e, em alguns casos, bloqueia o progresso” sendo que “esta é a oportunidade de mostrar ao mundo que, de fato, é fundamental à solução” concluindo que "esta indústria pode mudar o debate global e que é hora de silenciar céticos, aplicando escala, capital e tecnologia para produzir resultados." Encorajou adaptar “o baixo carbono”, como captura e armazenamento de carbono, ferramentas que os especialistas em clima dizem que desviam a atenção do objetivo urgente de reduzir a poluição por combustíveis fósseis, sendo que ativistas climáticos criticaram a nomeação de Jaber para liderar negociações da COP28 que acontecem em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro. No entanto, foi recebido com total indiferença o apelo do Sultão Al Jaber aos governos, atualizarem suas metas climáticas nacionais até setembro de 2023, sendo que ninguém atendeu ao chamado, quando em julho 2023 apresentou seu plano à próxima conferência em Dubai lançando apelo aos governos aumentarem suas metas climáticas até Setembro e, 2 meses e meio depois, nenhum país atualizou sua contribuição nacionalmente determinada, NDC, plano exigido pelo Acordo de Paris à reduzir emissões e adaptar-se aos impactos climáticos. As NDCs são parte integrante do “mecanismo” incorporado no acordo de Paris em que cada plano climático deve ser mais forte e mais ambicioso que aquele que o substitui e, em 2015, governos concordaram atualizar os documentos de 5 em 5 anos, no entanto, muitos têm apelado à revisões mais frequentes. O Climate Action Tracker nos avisa que a maior parte destes apelos passa despercebida, como em Glasgow na Cop26 em que governos concordaram “revisitar e reforçar” suas metas de emissões à 2030 alinhando-se aos objetivos do Acordo de Paris e, até fins de 2022, poucos países apresentaram novas NDCs no prazo e nenhum deles produziu uma que compatível com a manutenção do aquecimento global abaixo de 1,5°C, sendo que a líder do projeto no Climate Action Tracker, referindo-se ao telefonema de Al Jaber, esclarece que “há claro sentido de urgência na comunidade científica, mas, infelizmente, não chegou aos decisores do modo que esperávamos ver.” A maioria dos maiores poluidores não elabora há anos novas metas climáticas, com estados da UE atualizando seus NDCs pela última vez em dezembro de 2020, EUA, Canadá, Japão e China o fizeram em 2021, enquanto o Reino Unido apresentou documento em 2022 oferecendo mais transparência, mas, sem metas mais fortes. O México, um dos últimos países do G20 a publicar uma atualização, foi acusado de violar o Acordo de Paris intensificando as metas ao longo do tempo, com seu mais recente plano climático levando a níveis de emissões mais elevados que as metas que o país se comprometeu em 2016, enquanto nós brasileiros, acusados de retroceder nos compromissos, anunciamo que voltaríamos às metas climáticas mais fortes que as traçadas em 2015 enquanto trabalhamos em metas novas e melhoradas. Os EAU, Emirados Árabes Unidos, anfitriões da Cop28, estão entre os poucas que reviram seu compromisso climático nacional em 2023, poucos dias antes do apelo de Al Jaber e, como estado produtor de petróleo do Golfo, tem uma das emissões per capita mais elevadas do mundo, reforçou objetivo de redução planejando limitar as emissões a 182 Mt CO2e até 2030, melhoria de 14% comparada à meta anterior, sendo que a nova estratégia proporciona mais transparência, estabelecendo linha de base clara à 2019 e afastando-se do muito criticado cenário de “business as usual” usado antes. O Climate Action Tracker esclarece que foi um movimento positivo aos EAU, mas permanecem dúvidas e, “em termos de comunicação, foi dado o passo certo do 'Cop anfitrião' à assumir a liderança na questão”, “mas a meta não é compatível com 1,5°C e permanecem dúvidas sobre como alcançá-la”, sendo que os EAU planejam aumentar  a produção de petróleo e gás fóssil nos próximos anos, tornando-se “autossuficiente em gás” além de aumentar as exportações cuja principal empresa de energia, Adnoc, anunciou o plano de US$ 150 bilhões para aumentar capacidade de produção de petróleo e gás nos próximos 4 anos, com o Sultan Al Jaber como CEO da Adnoc.

Relatório Global Stocktake publicado em setembro 2023, fala em silêncio ensurdecedor emergindo em momento que a ONU reafirma urgência de intensificar ações necessárias e metas ambiciosas, uma vez que os atuais NDCs não são coletivamente suficientes à conter o aquecimento em 1,5ºC, com  o consultor político da E3G dizendo que era “muito improvável” que países apresentassem NDCs atualizadas antes da Cop28, esclarecendo que,  “não crê que haja muito apetite entre governos para rever suas metas com tanta frequência”, tornando-se,  “desafio político porque essas decisões não são fáceis, são desafio técnico e leva tempo e modelagem para tomá-las corretamente” concluindo que governos provavelmente envidarão, esforço com obstinação, na preparação das novas metas à 2035 previstas à daqui a 2 anos, “apesar da lacuna de ambição, o foco está menos nas metas atuais”. Já, o IPCC no último relatório afirma que os atuais NDCs estão aquém do que é necessário e se os países cumprirem suas metas de emissões para 2030, o aquecimento global só poderá ser limitado a 2,4-ºC / 2,6°C neste século, conforme relatório da ONU sobre Lacuna de Emissões, sendo que precisam diminuir 45% em relação a 2010 até 2030 para atingir objetivos do Acordo de Paris. O secretário-geral da OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo, disse na conferência que os apelos para cessar investimentos em combustíveis fósseis eram perigosos esclarecendo que "vemos apelos para parar de investir no petróleo, acreditamos ser contraproducente"  pois "coloca em risco países da Europa e outras partes do mundo, porque a pedra angular da prosperidade econômica global hoje é a segurança energética" e, apelou a investimentos de US$ 600 bilhões de dólares / ano até  2045, "apenas à indústria petrolífera" acrescentando que “isto é necessário para conseguirmos alcançar segurança energética na Europa e resto do mundo” com dirigentes das petrolíferas sublinhando que a dependência da economia dos combustíveis fósseis e a subida dos preços, segundo eles, foi induzida pela queda dos investimentos no setor nos últimos anos. Enquanto o CEO da  Total Energies avisa que prosseguirá projetos no setor do petróleo e gás, com taxa de crescimento prevista de 2 % a 3% / ano, ao mesmo tempo que investirá US$ 40 bilhões em projetos de transição energética e descarbonização, ao passo que, o CEO da Shell explica que haveria pacote de US$ 10 a 15 bilhões nos próximos 3 anos à soluções de baixo carbono, esperando ser a COP28 "oportunidade única” para chegar à mesa apelando a compromissos concretos em torno das emissões de metano. Por fim, a Agência Internacional de Energia avalia que o setor da energia é um dos contribuintes às emissões de metano de origem humana respondendo por  30% do aumento das temperaturas globais desde a Revolução Industrial e, para a diretora executiva do Fundo de Defesa Ambiental a primeira COP dirigida pelo chefe de uma petrolífera poderia avançar nas negociações sobre metano e descarbonização da indústria, concluindo que, “precisamos ver onde isso vai”.

Moral da Nota:  o CEO da Shell, disse aos partícipes da conferência que os acionistas tomarão a decisão final sobre viabilidade das opções de baixo carbono, semanas depois que 2 funcionários lhe escreveram carta aberta expressando “profunda preocupação” sobre a estratégia e instando-o não fazê-lo e reduzir investimentos em energias renováveis, sendo que a Shell não tem planos de mudar de direção. Esclareceu que, “em última análise, o acionista precisa avaliar se as opções de energia de baixo carbono que apresentamos são passíveis de investimento e precisamos ser capazes de cobrir o custo de capital e gerar retorno aos acionistas” e  “durante muito tempo, a ambição da Shell foi ser líder na transição energética”, escreveram Lisette de Heiden e Wouter Drinkwaard na carta publicada na web interna da Shell, “é a razão pela qual trabalhamos aqui.” Anunciou planos da Shell no lado da produção de petróleo e gás e prometeu estabilizar a produção até 2030, disse que a Shell estava aumentando dividendos dos acionistas em 15% por ação com plano para abrandar o investimento em renováveis e negócios de baixo carbono faziam parte da estratégia para aumentar os retornos, no entanto, “nos últimos meses a Shell abandonou projetos eólicos offshore na Irlanda e França, vendeu seu negócio de retalho de energia no Reino Unido e disse que estava tentando vender participações em projetos renováveis na Índia” e “considera vender a totalidade ou parte da empresa de armazenamento de baterias Sonnen que adquiriu em 2019.” A Shell fez compromissos climáticos nos últimos anos incluindo a promessa de reduzir a produção de petróleo a taxa de 1-2% anualmente, mas declarações do CEO em Junho meses depois de ter se tornado CEO em Janeiro, significam que acompanha o ritmo de outras petrolíferas, retirando-se da ação climática à medida que os lucros do petróleo disparam, esclarecendo que,  “precisamos criar modelos de negócios lucrativos que sejam dimensionados em ritmo acelerado para realmente impactar a descarbonização do sistema energético global” e “investiremos nos modelos que funcionam, aqueles com maiores retornos que aproveitam nossos pontos fortes.” A Shell afirma que cumpriu objetivo de reduzir a produção de combustíveis fósseis antes do previsto, ao vender sua participação num campo petrolífero no Texas, encerrou seu plano de desenvolver ambicioso esquema de compensação de carbono em agosto e executivos seniores deixaram a divisão de baixo carbono e renováveis desde as mudanças na estratégia, associado ao vice-presidente sênior de energias renováveis e soluções energéticas na Europa que deixa o cargo em fins de outubro de 2023.