quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A Comissão

Estudo de Fevereiro de 2016 informa que o glifosato é o produto químico agrícola mais utilizado “nos EUA, nenhum pesticida chegou nem remotamente perto da utilização tão intensiva e generalizada” sendo que os  americanos aplicaram 1,8 milhão de toneladas de glifosato ou 1,6 bilhão de kgs desde sua introdução em 1974 até 2014 e, no mundo, 9,5 milhões de toneladas ou 8,6 kgs do produto químico foram pulverizadas nos campos, o suficiente à pulverizar quase meio kg de Roundup em cada acre de terra cultivada no mundo. O uso de glifosato aumentou quase 15 vezes desde que as culturas geneticamente modificadas Roundup Ready  para tolerar o glifosato foram introduzidas em meados da década de 1990 e, nos EUA, aproximadamente 281 milhões de libras de glifosato foram aplicadas em 298 milhões de acres anualmente, em média, de 2012 a 2016, conforme a Agência de Proteção Ambiental e a maior parte do glifosato foi aplicada à soja, 117,4 milhões de libras anuais, milho, 94,9 milhões de libras anuais, e algodão, 20 milhões de libras anuais, muitas frutas cítricas incluindo laranjas, limões e culturas agrícolas como soja, milho e algodão com altas porcentagens de seus hectares tratados com glifosato.

O Comitê de Saúde Reprodutiva e Ambiental da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, FIGO, disse em 2019, “recomendamos que exposição ao glifosato às populações deve terminar com eliminação global completa” e, em Ensaio no Journal of Epidemiology and Community Health, avaliou em 2017 que “é hora de reavaliar padrões de segurança para herbicidas à base de glifosato”, além de Declaração de consenso em 2016 no Environmental Health Journal, “Preocupações sobre o uso de herbicidas à base de glifosato e riscos associados às exposições, uma declaração de consenso”, com a Bayer AG, proprietária da Monsanto afirmando que glifosato e herbicidas à base de glifosato são seguros quando usados conforme instruções e não causam câncer, ao passo que “o glifosato é um dos herbicidas mais estudados no mundo e, como todos os produtos de proteção de culturas está sujeito a testes rigorosos e supervisão das autoridades reguladoras” afirmando em seu website que “há um extenso conjunto de pesquisas sobre glifosato e herbicidas à base de glifosato que confirmam que produtos formulados à base de glifosato podem ser usados com segurança e não causam câncer”, no entanto, documentos internos da Monsanto, jornalismo investigativo e pesquisas independentes estabeleceram que a Monsanto usou táticas ao longo de décadas para manipular o registro científico sobre o glifosato e que as agências reguladoras confiaram em estudos mal conduzidos e em dados insuficientes. Vale dizer ainda que mais de 80% das amostras de urina colhidas de crianças e adultos em estudo de saúde nos EUA continham glifosato, conforme Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e das 2.310 amostras de urina colhidas de americanos que pretendiam ser representativas da população, enquanto o CDC descobriu que 1.885 continham níveis detectáveis de glifosato com cientistas descrevendo ser a descoberta como “perturbadora” e “preocupante”, embora esteja claro que a maioria dos americanos esteja exposta ao glifosato, a literatura sobre níveis de exposição ao glifosato, especialmente em crianças, permanece limitada e, de acordo com um artigo de 2020 na Environmental Health “sem mais dados recolhidos de forma padronizada, não será possível analisar a relação potencial entre a exposição ao glifosato e doenças”, concluíram os investigadores. Reguladores na Europa, EUA e Canadá afirmam repetidamente conceitos corporativos sobre a segurança do glifosato ao tomar decisões sobre segurança, estes reguladores basearam-se, em parte, em testes conduzidos por ou para empresas que não foram publicados ou revistos por pares, além de estudos corporativos terem sido mantidos em segredo há muito tempo, até mesmo pelos reguladores, na Europa, o litígio movido por um grupo de legisladores do Parlamento Europeu levou à divulgação de dezenas de estudos deste tipo com mais de 50 desses estudos corporativos analisados em 2021 por cientistas independentes do Instituto de Pesquisa do Câncer, Departamento de Medicina da Universidade Médica de Viena, Armen Nersesyan e Siegfried Knasmueller. O objetivo era determinar se os estudos da indústria cumprem diretrizes internacionais para testes químicos com investigadores concluindo que a maior parte dos estudos da indústria estava desatualizada e não atendia diretrizes atuais enquanto uma série de deficiências e falhas foram encontradas tornando a maioria deles não confiáveis e, dos 53 estudos apresentados aos reguladores pelas empresas, apenas 2 foram aceitáveis segundo os atuais padrões científicos reconhecidos internacionalmente. A Autoridade Europeia para Segurança dos Alimentos e a Agência Europeia dos Produtos Químicos afirmaram que o glifosato não é susceptível de ser cancerígeno aos seres humanos, enquanto relatório de Março de 2017 elaborado por grupos ambientalistas e de consumidores argumentou que os reguladores confiaram indevidamente na investigação dirigida e manipulada pela indústria química e um estudo de 2019 descobriu que o relatório do Instituto Federal de Avaliação de Riscos da Alemanha sobre o glifosato, que não encontrou risco de câncer, incluía seções de texto que tinham sido plagiadas de estudos da Monsanto e, em Fevereiro de 2020, surgiram relatos que 24 estudos científicos submetidos aos reguladores alemães para provar a segurança do glifosato provinham de um grande laboratório alemão acusado de fraude e outras irregularidades. Em junho de 2021, o Grupo de Avaliação do Glifosato, AGG, da União Europeia, UE, publicou projeto de relatório de 11 mil páginas concluindo que o glifosato é seguro quando usado conforme as instruções e não causa câncer, sendo que a conclusão é baseada em  dossiê de 1.500 estudos submetidos aos reguladores europeus pelo “Glyphosate Renewal Group, GRG”, conjunto de empresas que inclui a Bayer AG, proprietária da Monsanto sendo que as empresas buscam a renovação da autorização do glifosato na UE, sendo que a autorização atual na Europa expira em 2023. A Reunião Conjunta da OMS/FAO sobre Resíduos de Pesticidas determinou em 2016 que era improvável que o glifosato representasse risco cancerígeno aos seres humanos devido à exposição através da dieta, mas esta conclusão foi manchada por preocupações de conflito de interesses depois de revelado que o presidente e o co-presidente do grupo também ocupou cargos de liderança no Instituto Internacional de Ciências da Vida, financiado em parte pela Monsanto e uma de suas organizações de lobby. Estudo de setembro de 2023 publicado no Journal of Exposure Science & Environmental Epidemiology examinou a correlação entre níveis de glifosato urinário e níveis séricos de cadeia leve de neurofilamento, NfL, em população representativa dos EUA usando dados do NHANES 2013-2014, sendo que o NfL emergiu como  biomarcador confiável à vários distúrbios neurológicos com o estudo “encontrando associação positiva significativa entre níveis urinários de glifosato e níveis séricos de NfL, indicando que níveis mais elevados de exposição ao glifosato podem estar ligados a níveis mais elevados de danos neuroaxonais, além disso foi observado tendência de aumento das concentrações médias de NfL com o aumento dos quintis de exposição ao glifosato,  notavelmente, a associação foi mais pronunciada em certos subgrupos incluindo aqueles com idade ≥40 anos, brancos não-hispânicos e aqueles com IMC entre 25 e 30. “Esta é a primeira pesquisa sugerir associação entre exposição ao glifosato e biomarcadores indicativos de danos neurológicos em adultos norte-americanos em geral e, se a correlação observada for causal, levanta preocupações sobre efeitos potenciais da exposição ao glifosato na saúde neurológica entre adultos dos EUA.” Além de artigo de 2023 na Science of the Total Environment relata que a exposição materna de camundongos ao glifosato induz comportamento semelhante à depressão e ansiedade na prole através de alterações no eixo intestino-cérebro em que  “resultados sugerem que o glifosato pode influenciar o crosstalk do eixo intestino-cérebro após a exposição intra-útero e lactação, sendo que  este estudo sublinha importância de compreender impacto da exposição a pesticidas no eixo intestino-cérebro e enfatiza  necessidade de análises do microbioma serem obrigatoriamente incluídas nas avaliações de risco dos pesticidas à saúde.” Estudo de julho de 2023 publicado em Ciência Ambiental e Pesquisa de Poluição, cientistas tawaineses analisaram dados da Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição, NHANES, de 2013-2014 de 1.466 adultos para explorar a relação entre a exposição ao glifosato e os perfis de eritrócitos, encontrando “associação negativa entre  níveis urinários de glifosato, hemoglobina e hematócrito com “evidências preliminares de  associação plausível entre exposição ao glifosato e anemia num subconjunto da população adulta nos EUA”.

Moral da Nota: pela primeira vez, família francesa é indenizada  após exposição ao glifosato, herbicida mais utilizado no mundo, em que especialistas reconhecem ligação entre malformações sofridas por uma criança e uso de herbicida pela mãe na gravidez, decisão sem precedentes, em momento que os Estados-Membros da UE votam prorrogação de 10 anos da autorização ao glifosato. Em março de 2022, especialistas do Fundo de Compensação às Vítimas de Pesticidas reconheceram ligação causal entre malformações sofridas e exposição ao glifosato na gravidez, sendo que hoje o adolescente de 16 anos já passou por 54 operações e continua com lesões no aparelho respiratório, esôfago e laringe. A decisão tornou-se pública porque está em consideração autorizar o glifosato por mais 10 anos pela UE, sendo que a comissão parlamentar já votou a favor e aguarda votação com base em relatório da autoridade de saúde da UE,  EFSA, Autoridade Europeia à Segurança dos Alimentos, que já considerou não identificar quaisquer “áreas de preocupação crítica” em relação à utilização do herbicida, no entanto, a controvérsia científica continua, uma vez que  organizações como a Agência Internacional de Investigação do Câncer e o Inserm francês apontam riscos cancerígenos e ao reconhecer este nexo causal entre exposição ao glifosato e malformações sofridas esperam influenciar a votação, ao mesmo tempo, travam outra batalha legal contra a Monsanto, empresa que comercializa o herbicida sob o nome Round Up.