quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Evidências

Em Primavera Silenciosa, 1962, Rachel Carson, destaca pesquisas sobre consequências à saúde da exposição ao pesticida agrícola, DDT, diclorodifeniltricloroetanol, que desencadeou preocupação pública levando a restrições governamentais em seu uso e, por fim, proibição global na Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, valendo a ressalva que, ações legislativas fundamentadas em evidências médicas e científicas sobre efeitos nocivos da poluição ambiental buscando defender direitos à vida e à saúde, são raras. Toxicologistas e epidemiologistas demonstram como exposição à poluição do ar, água e substâncias tóxicas como pesticidas, podem causar câncer, doenças respiratórias, neurológicas e cardiovasculares entre outras, sendo que evidências epidemiológicas mostram a magnitude da carga de mortalidade e morbidade de fontes de poluição ambiental, mesmo assim, a poluição é generalizada e descontrolada. A poluição do ar é um dos principais riscos ambientais à saúde na Europa, causa 300 mil mortes prematuras anualmente nos estados membros e, mesmo onde é regulamentada, padrões muitas vezes ficam aquém de recomendações médicas, por exemplo, 96% da população urbana da UE respira ar com concentrações acima dos limites máximos recomendados pela OMS à PM2.5, partículas finas. Evidências médicas provam serem inestimáveis ​​visando responsabilizar autoridades públicas pelo impacto da poluição atmosférica ilegal na saúde humana, na Inglaterra por exemplo, inquérito do legista sobre a morte de Ella Adoo-Kissi-Debrah, 9 anos, concluiu que a exposição a poluição atmosférica contribuiu materialmente à morte, sendo esta, a 1ª vez que um legista inglês aponta poluição atmosférica como causa mortis, em consequência, a decisão do legista forneceu evidências à subsequente ação judicial por danos pessoais movida pela família da menina contra o governo, resolvida em 2024, contribuindo ao fortalecimento no país de padrões de qualidade do ar. Decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos fortaleceram a proteção dos indivíduos contra efeitos nocivos da poluição ambiental na saúde, a Convenção Europeia de Direitos Humanos não oferece direito explícito à saúde, no entanto, artigos da Convenção sobre direito à vida e ao respeito à vida privada e familiar são invocados para facilitar ações judiciais relacionadas à saúde, com tribunais mostrando-se abertos a argumentos na saúde em casos ambientais, com decisões baseando-se em evidências epidemiológicas que demonstrem que as vítimas sofreram impactos na saúde devido poluição ambiental. Na Itália, o caso Cannavacciuolo decidido em 2025 pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é exemplo, com a sentença baseando-se em evidências epidemiológicas que demonstravam impactos na saúde da poluição na Campânia, Itália, em larga escala, incluindo pesquisas revisadas por pares e estudos conduzidos pelo Senado italiano e OMS, sendo que o tribunal utilizou evidências científicas para estabelecer “risco real e iminente” à vida e decidiu, pela 1ª vez, que a falha em limitar poluição constituía  violação do direito à vida, nos termos do Artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. 

Com referência a justiça climática, pesquisas epidemiológicas e fisiológicas demonstram escala dos impactos na saúde causados ​​pela poluição do ar, métodos científicos podem revelar impactos das mudanças climáticas na saúde, com estudo de 2021 mostrando que 37% da mortalidade relacionada ao calor é atribuível às mudanças climáticas causadas pelo homem. Associadas a contínua poluição ambiental generalizada, ações climáticas dos Estados no mundo estão aquém do necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C, limite do Acordo de Paris que países concordaram necessidade para evitar descontrole das mudanças climáticas, daí, avanços na ciência da atribuição combinados a métodos de pesquisa em saúde existentes podem demonstrar extensão que mudanças climáticas prejudicam a saúde.  É fato que poucos estudos que atribuem impactos na saúde às mudanças climáticas foram publicados até o momento, no entanto, à medida que pesquisas amadurecem, métodos ficam mais amplamente reconhecidos abrindo caminhos à responsabilização climática em que ações judiciais impetradas em tribunais de direitos humanos nacionais e regionais, argumentam que metas climáticas inadequadas contrariam obrigações dos Estados proteger direitos dos requerentes contra efeitos adversos das mudanças climáticas, inclusive sobre saúde física e mental. Na Áustria, há processo pendente no Tribunal Europeu de Direitos Humanos cujo requerente alega que a falha do país em mitigar sua contribuição às mudanças climáticas agrava seus sintomas de esclerose múltipla termossensível conhecida como Síndrome de Uhthoff, violação dos direitos, cujas evidências científicas podem ser cruciais para atingir “limiar” necessário à estabelecer o estatuto de vítima à requerentes individuais do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decisão de 2024 contra Suíça, reiterado em decisão contra a Alemanha. O parecer consultivo sobre obrigações dos Estados relativo às mudanças climáticas, em julho de 2025, a Corte Internacional de Justiça afirma estreita ligação entre direitos humanos e mudanças climáticas, referindo estudos da OMS, esclarecendo que indivíduos lesados ​​podem responsabilizar Estados por não limitarem efeitos adversos das mudanças climáticas. O parecer, decorre de declaração anterior da Corte Interamericana de Direitos Humanos em parecer consultivo de maio de 2025 afirmando que Estados têm deveres específicos de proteger saúde dos indivíduos contra efeitos das mudanças climáticas que ameaçam a vida, sendo provável que evidências científicas que demonstrem consequências das mudanças climáticas à saúde humana assumam importância em ações judiciais em fóruns nacionais, regionais e internacionais que devem se basear nesses pareceres jurídicos.

Moral da Nota: processos judiciais relativos à poluição ambiental, médicos especialistas desempenham papel fundamental auxiliando tribunais compreenderem proteções necessárias ao cumprimento das leis de saúde, com cientistas e profissionais da saúde podendo ser nomeados como peritos judiciais e apresentarem provas de terceiros em caso ou conduzir pesquisas que forneçam base probatória aos argumentos jurídicos das partes. Por fim, a compreensão das consequências das mudanças climáticas à saúde teria efeito semelhante, esclarecendo até que ponto estados cumprem obrigações legais de proteger a saúde abrindo caminhos à justiça climática onde não o fazem.