quarta-feira, 10 de julho de 2024

Inalação de fentanil

A inalação de fentanil via queima do princípio ativo, apresenta características clínicas e neuroradiográficas de leucoencefalopatia com presença de fentanil na urina à nível de 137,3 ng/mL, sendo que a ressonância magnética do cérebro mostra difusividade reduzida e hiper intensidade de recuperação de inversão atenuada por fluido, FLAIR, simetricamente na substância branca supra tentorial bilateral, cerebelo e globo pálido, além de diagnósticos alternativos, como infecção, em última análise, a história e a investigação levam ao diagnóstico de leucoencefalopatia induzida por fentanil, no entanto, há relatos de casos de leucoencefalopatia induzida por heroína pós inalação. A leucoencefalopatia tóxica, ELT, é síndrome neurológica aguda ou crônica devido exposição a toxinas, resultando em danos na substância branca cerebral, o termo amplo “leucoencefalopatia” refere-se a distúrbios da substância branca do cérebro e o diagnóstico de ELT envolve sintomas clínicos de disfunção da substância branca que se correlacionam com alterações  neurorradiológicas em que a ressonância magnética é modalidade diagnóstica preferida, oferecendo melhor representação do parênquima cerebral que a tomografia computadorizada. Achados de imagem mostram aumento na substância branca em pacientes com exposição a toxinas com quantidade de envolvimento radiográfico variável além de extensa e diversificada variedade de sinais e sintomas cujas manifestações clínicas mais óbvias são alterações neurológicas e comportamentais, desde leve confusão a estupor, coma e morte. A identificação das toxinas inclui agentes quimioterápicos como carmustina e metotrexate, medicamentos imunossupressores como ciclosporina e tacrolimus, toxinas ambientais como monóxido de carbono e drogas de uso indevido como álcool, cocaína, heroína, cola, tolueno cujo prognóstico e recuperação depende do grau da lesão da substância branca, alguns pacientes recuperam totalmente, enquanto outros apresentam declínio progressivo sendo que o mecanismo da ELT não é claro, mas existem conceitos que incluem lesão  vascular, degradação da bainha de mielina ou combinação dos dois. No contexto do estudo foi considerada leucoencefalopatia induzida por heroína, conhecida como “perseguição do dragão” em que a inalação de vapores de heroína pode causar ELT, sendo que vapores levam à degeneração vacuolar da substância branca profunda do cérebro com numerosos casos relatados na literatura, no entanto, trata-se do primeiro caso de inalação por fentanil relatado com hipoxemia e danos diretos por toxinas à bainha de mielina ou ao endotélio vascular. A leucoencefalopatia tóxica, ELT, é síndrome de encefalopatia inespecífica causada por uma variedade de etiologias tóxicas, resultando em danos à substância branca cerebral, embora a heroína tenha sido o principal opiáceo associado à ELT, o caso do fentanil destaca a importância de reconhecer outros opiáceos como potencialmente causadores, valendo dizer que o fentanil não é testado rotineiramente em exames urinários de drogas, assim, os fornecedores precisam suspeitar sua presença e trabalhar com laboratórios locais para que seja adicionado à plataformas padrão de testes de drogas.

Estudo apoiado pela Universidade de Toronto e ICES, financiado por doação anual do Ministério da Saúde de Ontário e do Ministério de Cuidados de Longo Prazo em pesquisa da Universidade de Toronto, Centro de Dependência e Saúde Mental, CAMH, e do Instituto de Ciências Avaliativas Clínicas, ICES, no Canadá, vinculam dados recentes de pesquisas populacionais de mais de 11 mil jovens a registros de uso de serviços de saúde, incluindo hospitalização, visitas ao pronto-socorro e consultas ambulatoriais associando uso de cannabis entre adolescentes ao aumento dramático do risco de psicose comparado aos homólogos que não usam drogas. Publicado online em 22 de maio de 2024 na revista Psychological Medicine, os investigadores acreditam que o consumo de cannabis pelos jovens e as perturbações psicóticas são “problema crítico de saúde pública”, especialmente à medida que mais jurisdições liberam o consumo de cannabis e a percepção dos danos diminui entre jovens, sendo que a associação entre consumo de cannabis na juventude e risco de diagnóstico de perturbação psicótica, utiliza dados recentes de base populacional,  dos ciclos de 2009 a 2012 do Canadian Community Health Survey, CCHS, ligados a dados administrativos de saúde do ICES estudando residentes não institucionalizados de Ontário com idades entre 12 e 24 anos que completaram o CCHS nesse período. Os entrevistados, 11.363, 51% homens em idade média, 18,3 anos, foram acompanhados por 6 a 9 anos, até a 1ª hospitalização, consulta no pronto-socorro ou consulta ambulatorial relacionada a transtorno psicótico e como resultado primário estimando taxas de risco específicas por idade na adolescência, 12-19 anos, e na idade adulta jovem, 20-33 anos, conduziram análises de sensibilidade para explorar condições de modelos alternativos incluindo a restrição do resultado a hospitalizações e visitas ao pronto-socorro para aumentar especificidade. Em comparação com o não consumo de cannabis, o consumo de cannabis foi significativamente associado a risco 11 vezes maior de transtornos psicóticos na adolescência, embora não durante a idade adulta jovem, taxa de risco ajustada, 95% e, quando os pesquisadores restringiram o resultado apenas a hospitalizações e visitas ao pronto-socorro, a força da associação “aumentou” na adolescência, com associação 26 vezes maior em usuários de cannabis que em não usuários, no entanto, não houve mudança significativa na idade adulta jovem. Os dados sugerem que o consumo de cannabis está “associado a resultados psicóticos mais graves, uma vez que a força da associação na adolescência aumentou acentuadamente quando restringimos o resultado a hospitalizações e visitas ao pronto-socorro, os tipos mais graves de uso de serviços de saúde”, observaram os investigadores, por exemplo, não está claro até que ponto fatores de confusão não medidos, incluindo predisposição genética, histórico familiar de transtornos psicóticos e trauma, podem ter influenciado os resultados, além disso, não puderam avaliar o potencial impacto confuso da predisposição genética para transtornos psicóticos enquanto a possibilidade de causalidade reversa não pode ser descartada, sendo possível, observaram eles, que indivíduos com “disposições psicóticas” possam se automedicar ou mostrar maior disposição ao uso de cannabis. No entanto, as conclusões apoiam “princípio da precaução” à medida que mais jurisdições se movem para liberar o consumo de cannabis e a percepção dos danos diminuindo entre jovens, as conclusões sugerem que estratégias de prevenção da cannabis baseadas em evidências para adolescentes são justificadas tornando-se claro que o cérebro dos adolescentes é particularmente vulnerável à cannabis, em especial aos produtos atuais de maior potência, que colocam adolescentes em risco de desenvolvimento cerebral prejudicado com problemas de saúde mental, incluindo psicose e transtorno por uso de cannabis, CUD. A exposição à cannabis no desenvolvimento neural tem potencial de alterar o sistema endocanabinóide, que por sua vez, pode afetar o desenvolvimento de vias neurais que medeiam a recompensa, regulação emocional e múltiplos domínios cognitivos, incluindo funcionamento executivo e tomada de decisão, aprendizagem, abstração e atenção aos processos centrais no transtorno por uso de substâncias e outros transtornos psiquiátricos.

Moral da nota: outro estudo mostra que adolescentes com colegas de classe com doença mental têm risco maior de um diagnóstico psiquiátrico mais tarde na vida, mesmo depois de controlar o histórico de saúde mental dos pais e outros fatores, fornecendo evidências que os adolescentes dentro de uma rede específica de pares podem “transmitir” transtornos mentais como depressão e ansiedade uns aos outros, segundo os investigadores. Ter colega de classe com doença mental foi associado a 3% maior de diagnóstico psiquiátrico subsequente, com risco  maior, 13%,  no primeiro ano de acompanhamento e mais forte à transtornos de humor, ansiedade e distúrbios alimentares sendo que o estudo é considerado o maior até hoje sobre o tema, incluindo dados sobre mais de 700 mil alunos do 9º ano na Finlândia acompanhados por até 18 anos. Pelo menos um especialista observou que os números são mais elevados que esperava, mas cientistas  foram rápidos em alertar que o estudo não prova que ter um colega de turma com doença mental leva a diagnóstico psiquiátrico posterior entre pares considerando que pesquisadores usaram banco de dados de 713.809 alunos do 9º ano, metade meninos e metade meninas, todos nascendo entre 1º de janeiro de 1985 e 31 de dezembro de 1997 e cerca de 47 mil foram excluídos por terem diagnóstico de transtorno mental antes do início do estudo e 666 mil alunos em 860 escolas foram acompanhados desde o 9º ano até ao primeiro diagnóstico de perturbação mental, morte, emigração no final do estudo em 2019, acompanhamento de 11,4 anos. Comentando as descobertas Madhukar H. Trivedi, MD, Distinguished Chair in Mental Health da UT Medical School, em Dallas, disse que a teoria em ter colegas de classe com doenças psiquiátricas poderia normalizar essas condições, tem mérito, uma vez que alguém é diagnosticado ou recebe tratamento, “seus colegas obtêm permissão implícita para expressar seus próprios sintomas ou expressar seus próprios problemas, que podem estar escondendo ou não reconhecerem”. No entanto, discordou da sugestão dos autores que a taxa de distúrbios também poderia ter aumentado se nenhum colega tivesse recebido um diagnóstico psiquiátrico, observando que era improvável que um aluno não tivesse sido exposto à depressão, ansiedade ou outro transtorno de humor através de um colega ou membro da família dada a frequência dessas doenças.

Rodapé: Machado de Assis relatou em conto, anos antes da publicação científica, um transtorno psicótico chamando atenção pós comentários de Courtney Henning Novak que se apaixonou pelo universo machadiano com 'Memórias Póstumas de Brás Cubas', que considerou a melhor leitura de sua vida e agora fascinada por 'Dom Casmurro'. Após 113 anos de morte, Machado de Assis encanta, considerado à frente de seu tempo não apenas por temas cada vez mais atuais mas por 'prever' transtorno psicótico publicado em 1887, no conto 'O Anjo Rafael', descrevendo com perfeição o que ficou conhecido como 'folie à deux' de Charles Lasègue e Jules Falret em psicose induzida, ou, 'loucura a dois', espécie de contágio mental cuja transmissão de crenças delirantes de indivíduo psicótico ao indivíduo saudável, ou, uma loucura contagiosa entre pessoas.  A narrativa machadiana conta a história de um homem que acreditava ser o anjo Rafael, vivia isolado na fazenda com sua filha que não teve contato com o mundo exterior até os 15 anos, antes da morte, encontra um pretendente para ela que logo percebe que a possível futura esposa havia sido tomada pelos delírios do pai. A 'previsão' de Machado foi constatada em 2011 por Daniel Martins de Barros e Geraldo Busatto Filho, psiquiatras da USP, em artigo publicado no 'British Journal of Psychiatry' cuja narrativa Machadiana apresenta quadro que combina elementos descritos por Lasegue & Falret, ou, uma mulher vivendo isolada e intimamente relacionada a membro psicótico da família que manifestava sintomas psicóticos idênticos e era influência e causa primária de sua ilusão", segundo os pesquisadores. No entanto, Machado relata a cura à 'folie à deux' ao afastar a pessoa saudável de quem tem o problema mental, sendo que "a história ilustra que, acima de tudo, a literatura contribui à psiquiatria oferecendo condições com detalhes citando Freud em Escritos sobre Arte e Literatura, esclarecendo 'que o tratamento poético de um tema psiquiátrico pode revelar-se correto sem qualquer sacrifício da beleza', verificado em 'folie à deux".