sexta-feira, 28 de junho de 2024

O gato filosófico

A experiência mais famosa da física quântica, o gato filosófico de Schrodinger, levou ao desenvolvimento da física atômica questionando o conceito de real que a modernidade ergueu sobre a mecânica clássica estabelecendo que os modelos explicativos deterministas, que funcionavam com precisão no mundo macro, tornavam-se inconsistentes quando se aprofundava na compreensão do mundo micro, assim, ao estabelecer o princípio da indeterminação ou incerteza, Werner Heisenberg discutiu a possibilidade de uma causalidade mecânica fechada no âmbito da física rompendo com qualquer explicação fechada em termos de causas e efeitos unidirecionais do mundo. O princípio formulado em 1925 indica que quanto mais preciso é o conhecimento da posição de uma partícula mais imprecisa é a medição da massa e da velocidade e, a distância por exemplo, é indiferente que seja medida em kms ou milhas porque não a altera, mas o resultado varia se usado um método ou outro e, com ele, o valor da mesma não anulando a validade da física clássica, mas matizando sua precisão em que a mecânica clássica se propõe trabalhar com quantidades mensuráveis porque supõe que é possível conhecer a medida exata do que se quer em qualquer dos seus aspectos, por isso, postula visão determinista e invariável do real. O conceito que o princípio da incerteza anula o determinismo é questionado mas implica na aceitação de ideia estranha, ou, que na realidade não existem posições, massas ou velocidades de partículas e, sim, ondas quantificáveis mediante funções complexas, desse modo, a indeterminação de um sistema seria apenas aparente, já que a ideia, não modifica o problema intuitivo da alteração de um sistema ao medi-lo e a mudança de partículas à ondas não resolve a questão do fechamento epistemológico da física levantada por Schrodinger que idealizou o conhecido experimento mental do gato em 1935.

Imaginemos um gato colocado em uma caixa opaca equipada com um dispositivo formado por um frasco de vidro contendo veneno volátil e um martelo suspenso sobre o frasco, de modo que se cair sobre ele, o quebrará, fazendo escapar o veneno, para garantir a autossuficiência do sistema, o martelo foi conectado a mecanismo de detecção de partículas alfa, de modo que se detectada a presença de pelo menos uma, será acionado e cairá. Ao lado do detector, coloca-se um átomo radioativo com 50% de probabilidade de emitir partícula alfa no decorrer de uma hora, aí, fecha-se a caixa e espera, ao final de uma hora, há 2 eventos possíveis de ocorrerem, ou, o átomo emitiu uma partícula alfa e ativou a armadilha de veneno, ou, não a emitiu e em consequência o gato estará vivo ou morto, sendo que o interessante é que não se pode saber o que aconteceu sem abrir a caixa. Daí, um cientista empenhado em garantir a qualidade preditiva busca desenvolver um modelo que permita antecipar o que aconteceu ao gato antes de vê-lo e recorrerá a formulação do problema na chave da mecânica quântica, assim, o gato será descrito por uma função de onda complicada que será o resultado da superposição dos 2 estados possíveis combinados a 50%, isto é, o Gato vivo e o Gato morto. Ao ser aplicado o formalismo quântico, acontece algo que leva a perplexidade, o gato estaria vivo e morto ao mesmo tempo, acontecendo um único modo positivo de descobrir o que aconteceu, isto é, a caixa é aberta, mas a realização desta comprovação, medição, altera o sistema, pois rompe a superposição de estados descrita na função e, neste momento aparece o determinismo que impõe o senso comum nos indicando que, como o gato não podia estar vivo e morto ao mesmo tempo, já devia estar vivo ou morto antes. A mecânica quântica nos informa algo mais perverso, isto é, enquanto ninguém abrir a caixa, o gato se encontra em um estado indefinido, formado pela superposição dos 2 estados possíveis, ou, A e B, significando forma de controle que se aplica a um sistema que o altera e determina, porque o modifica. Tal modelo mental nos leva a interpretação quântica mostrando que não é tão "óbvio" quanto o senso comum indica que se pode alcançar a certeza final sobre algo, visto que existe um componente probabilístico ingovernável sendo que antecipar, não prever, paradoxo, a fim de avançar a ideia de um modelo preditivo que permita saber o que acontecerá ao gato. Zlatko Minev, membro da equipe liderada por Michel Devoret na Universidade Yale diz que o "salto quântico", ou seja, o momento em que se decide se o gato vive ou morre, não é tão abrupto como se pensava embora não tenha sido observado experimentalmente até 1980, já que, o conceito de salto quântico se deve a Niels Bohr sendo o que acontece quando se mede a informação quântica de um átomo ou molécula o chamado bit ou qubit e, ao fazer essa medição, o átomo "salta" de um estado de energia à outro e, se sabe que a longo prazo, estes saltos são imprevisíveis. A equipe de Yale estabeleceu que, embora não seja possível prever exatamente as mudanças em um sistema, seria aceitável dispor de um dispositivo de monitoramento que fornecesse sinal antecipado de que um salto quântico vai ocorrer, dando coerência física ao sistema em estudo e, em condições ideais, anteciparia a morte do gato e até mesmo a reverteria antes que acontecesse, bastante paradoxal por si só, sendo que tal descoberta não invalida a utilidade do paradoxo de Schrodinger, uma vez que não rompe com o dogma quântico que o futuro é aleatório, não alterando o fundamento do princípio da indeterminação, indica que é possível ter um meio que avise que vai ocorrer uma mudança no sistema que se estuda.

Moral da Nota: em palestra proferida em 1937 na Escola Superior Técnica de Munique, 'Determinismo ou indeterminismo? ' Max Planck disse que é impossível sondar o interior de um corpo quando a sonda é maior que o corpo inteiro, mas felizmente, temos um instrumento de medição que não está sujeito a quaisquer limites de sutileza, esta é a fuga do nosso pensamento sendo os pensamentos mais sutis que átomos e elétrons e, mentalmente, podemos decompor o núcleo de um átomo com a mesma facilidade com que podemos transpor uma distância cósmica de milhões de anos-luz. Frequentemente ouve-se a opinião que a natureza cobre muito mais campo do que se imaginava e a nação humana é capaz de dominar e o que é justo, exatamente, é o que é contrário já que no domínio incomensurável do mundo dos pensamentos, a natureza ocupa apenas um distrito pequeno sendo verdade que o jogo dos pensamentos precisam sempre da excitação de um impulso externo através de qualquer experiência da natureza. Uma das consequências mais importantes e controversas do princípio da incerteza descoberto por Heisenberg em fevereiro de 1927, aparentemente descoberto durante visitas a Borh, em Copenhague, quando caminhava pelas florestas na periferia da cidade mostrou que as formulações da teoria quântica de HeiSenberg, mecânica matricial, e Schrodinger, mecânica ondulatória, eram matematicamente equivalentes significando que descreviam muito bem processos subatômicos, mas havia algo os separava, ou, a interpretação física. Mecânica das ondas parecia capaz de remover saltos quânticos da física, ou continuidades, como os físicos da época costumavam chamá-las e terminando com a dualidade contínua-discreta, onda-partícula, de uma só vez, mas não estava claro qual era o significado físico da função de onda e, quando verificou-se que ambos eram equivalentes, matematicamente falando, o problema tornou-se mais grave emergindo o questionamento de como foi possível 2 teorias aparentemente díspares serem capazes de explicar tão bem os mesmos fenômenos e como interpretar corretamente a recém-descoberta mecânica quântica, apenas um truque matemático ou algo mais acontecendo. 'Schrodinger é menos conhecido por contribuir com ideias revolucionárias na biologia, pode-se dizer que foi o primeiro cientista conceber a existência de um “código genético”, 10 anos antes da descoberta do DNA por Watson e Crick e em 944, publicou o livro intitulado "What is Life?" como resultado de conferências informativas aparecendo aí 2 ideias fundamentais, ou, que a vida está em a formação e, consequentemente, a evolução dos sistemas biológicos respeita leis da Termodinâmica, ou seja, leva a aumento da “entropia interpretada como desordem ou complexidade e que a herança biológica deve ser transmitida com base em “cristais aperiódicos”, ou seja, compostos químicos de estrutura regular, não repetitiva, capazes de codificar informações. Anos depois, essas ideias estiveram presentes na descoberta da conhecida estrutura de dupla hélice do DNA reconhecida pelo próprio James Watson no livro “DNA, The Secret of Life” ao passo que Schrodinger, dedicou, sem sucesso, os últimos anos de sua carreira científica ao desenvolvimento de uma teoria de campo unificado que explicasse ao mesmo tempo a gravidade, o eletro magnetismo e as forças nucleares, como se sabe, este continua a ser um dos grandes desafios pendentes da Física.