domingo, 3 de março de 2024

Salto à frente

Do nascimento da energia atômica à 2ª guerra, os EUA estabeleceram domínio militar elaborando tecnologias buscando superar adversários e, na busca por superioridade tecnológica sobre a URSS, premissa da estratégia “Second Offset” de 1970 e 1980, o Departamento de Defesa acelerou o desenvolvimento de furtividade, navegação, cronometragem, armas de precisão, links de dados, comunicações, sensores e processamento computacional inseridos em vantagem competitiva, no entanto, garantir escala importa considerando que os EUA já não mantêm primazia científica e industrial da Guerra Fria. O surgimento dos computadores digitais em 1945, objetivo inicial do ENIAC, integrador numérico eletrônico e do computador, em resolver equações matemáticas complicadas no laboratório como trajetórias balísticas, poucos previriam futuro em que smartphones, modelagem, simulação ou gráficos gerados por computador seriam onipresentes e, ao buscar recuperação de liderança tecnológica e vantagem militar, emerge a QIST, ciência e tecnologia da informação quântica, como tecnologia necessitando investimento na “Terceira Compensação” em que EUA e China concorrem em valor de “salto à frente”, daí, tecnologia quântica é capacidade de avanço na concorrência, subvertendo contramedidas do adversário e introduzindo estratégias. Sensores quânticos prometem exatidão, estabilidade, sensibilidade e precisão excedendo tecnologias existentes, computadores quânticos prometem poder de computação permitindo quebra de criptografia e resolução de problemas em escala e velocidade não vistas e, dado que capacidades são procuradas tanto pelos adversários como pelos EUA é fundamental compreender o desenvolvimento da tecnologia. O Serviço de Pesquisa do Congresso norte americano, avalia que tecnologias quânticas “poderiam ter implicações no futuro da segurança internacional em grande escala” ao aprovar a Iniciativa Quântica Nacional, NQI, em 2018, reconhecendo que o QIST estava à beira da transição de teoria acadêmica à aplicações no mundo real, cuja intenção era orientar “abordagem do governo em garantir liderança dos EUA em QIS, ciência da informação quântica, e em aplicações tecnológicas”. Orientou a criação do NQCO, Escritório Nacional de Coordenação Quântica, para desenvolver plano de 10 anos buscando acelerar aplicações QIST em setores com atividades e supervisão do NQCO incluindo coordenação de esforços entre agências federais, financiamento à pesquisa básica em universidades e laboratórios federais, desenvolvimento da força de trabalho e estabelecimento de padrões em que NQCO estabelece o Consórcio de Desenvolvimento Econômico Quântico, QED-C, organização cuja missão é crescer a indústria quântica comercial e cadeia de abastecimento, além de Leis de Autorização de Defesa Nacional e Lei CHIPS e Ciência de 2022 reforçando apoio ao desenvolvimento QIST.

A China investe em P&D QIST com poder de agir mais rapidamente que os EUA e, para cientistas quânticos, “supremacia quântica”, “vantagem quântica” e “primazia quântica” significam capacidade de um computador quântico resolver problema que nenhum computador tradicional resolveria. Definição prática de “vantagem quântica” em relação à China e aos esforços QIST incluiria a base de investigação científica residente em universidades e laboratórios, base industrial e força de trabalho de produção necessárias para concretizar o potencial do QIST, força de trabalho intelectual para design, engenharia e programação quântica e mobilizar capacidades e prontidão para empregá-las, esta avaliação comparativa, ao contrário da avaliação mais acadêmica, reconhece que a vantagem quântica não é um evento de “dia zero”, mas uma maratona. Sem conhecimento básico do QIST, líderes não podem julgar por si próprios se os projetos propostos têm ou não valor real enquanto líderes seniores devem ter seu próprio entendimento para tomar decisões informadas sobre requisitos, recursos e programas, não significando que precisem tornar-se cientista quântico ou resolver equações matemáticas complexas, mas serem alfabetizados para fazer perguntas certas, combinarem tecnologia com casos de uso de valor identificando  desafios tecnológicos. A perspectiva de liderança é crucial porque cientistas e engenheiros que procuram fazer a transição QIST do laboratório ao mundo real podem não compreender exigências do ambiente operacional ou como a capacidade quântica poderia ou deveria ser integrada a outros sistemas, ao passo que o otimismo tecnológico leva gestores de programas sobrestimar o valor de aplicação proposta ou subestimar desafios no amadurecimento da tecnologia quântica em capacidade, enquanto inovadores abordam o QIST a partir de vantagens matemáticas, científicas e teóricas, na busca por perspectiva operacional. Aplicações estabelecidas de fenômenos quânticos incluem relógios atômicos, lasers, semicondutores de estado sólido, células solares, LEDs, câmeras digitais e sensores ópticos e na segunda revolução quântica de hoje, investigadores aplicam avanços nas ciências quânticas subjacentes para isolar, controlar e manipular partículas subatômicas e capitalizar princípios como superposição ou emaranhamento buscando projetar tecnologias novas. Um bit quântico, ou qubit, é a unidade mais básica de informação quântica, na computação convencional, um bit é de natureza binária, 1 ou 0, esses 2 estados se relacionam à propriedade física de um transistor ligado, estado 1, ou desligado, estado 0, um qubit, por outro lado, pode estar em qualquer um dos três estados, ligado, desligado ou em superposição, um estado de combinação entre 1 e 0. Princípios e propriedades quânticas são universais enquanto métodos físicos e hardware ou modalidades que os físicos usam para isolar, controlar e medir a matéria quântica, não o são, já que cientistas usam diferentes modalidades para construir bits quânticos e acessar propriedades quânticas, tal como acontece com qualquer projeto técnico com compensações entre capacidade, custo, complexidade, tamanho e utilidade operacional em que decisores políticos devem investigar estas considerações para compreender pontos fortes e limitações de cada uma e melhor adequar a investigação e desenvolvimento às necessidades. Todos os sistemas quânticos são construídos em qubits e a forma como os tecnólogos constroem pode variar, assim como seu desempenho em que os estados quânticos são sensíveis, o que os torna úteis e frágeis e devido sua sensibilidade inerente, os qubits são propensos a erros decorrente radiação, calor, impactos de partículas ou mesmo sistemas de controle da máquina.

Moral da Nota: especialistas estimam que a China investiu mais de US$ 15 bilhões em esforço de investigação e desenvolvimento QIST, número que ultrapassa em muito os EUA e outros países, detendo o dobro de patentes quânticas que os norte americanos, perseguindo agressivamente o QIST para aplicações militares ao lançar Experimentos Quânticos em Escala Espacial, QUESS, em 2011, esforço de anos da Academia Chinesa de Ciências, CAS, para aproveitar o potencial QIST, ao passo que o QUESS procura resolver problemas difíceis de comunicação quântica incluindo um novo tipo de protocolo de criptografia. O lançamento do satélite Micius em 2016 demonstrou a capacidade chinesa de implementar a QKD, distribuição quântica de chaves, forma de encriptação baseada em quantum entre Pequim e uma estação terrestre no oeste da China, em que a equipe do CAS usou o Micius para realizar experimentos pelas distâncias envolvidas e, em 2017, conduziram a “primeira teleconferência virtual criptografada quântica do mundo” com o IQOQI, Instituto Austríaco de Óptica Quântica e Informação Quântica, em uma distância de mais de 4.600 milhas, desde então, o CAS desenvolve e demonstra experimentos projetados para proteger comunicações quânticas em nós “não confiáveis”. Embora a NSA, Agência de Segurança Nacional dos EUA desencoraje entidades norte americanas usar QKD para criptografia, a demonstração bem-sucedida da China prova a capacidade de produzir e codificar qubits fotônicos sob demanda, manter intensidade do sinal e evitar perda de qubits em milhares de kms de espaço livre e transmissão de fibra óptica além de desenvolver estações repetidoras quânticas seguras e precisas. O programa QUESS é uma das muitas linhas de esforço que os chineses perseguem com avanços significativos na computação quântica e, em 2021, a Universidade de Ciência e Tecnologia da China, USTC, revelou supercondutor denominado Zuchongzhi 2 em homenagem ao matemático e inventor chinês que utilizou 56 qubits de um total de 66, chamando atenção que o Zuchongzhi 2 supostamente “resolveu problema 3 vezes mais difícil” que o computador Sycamore do Google resolveria tratando-se de supercondutor de 53 qubits que marcou o primeiro ponto de “supremacia quântica” em 2019. A China demonstrou que o Jiuzhang 2, computador qubit fotônico cuja velocidade computacional e poder excedem os outros esforços na casa dos bilhões, pelo menos em ambientes laboratoriais controlados, além da construção de protótipos quânticos, pesquisadores chineses desenvolveram técnicas para resolver desafios quânticos fundamentais como correção de erros e quebra de códigos. Em 2022, pesquisadores de universidades chinesas propuseram método para quebrar a criptografia RSA padrão com um computador de 372 qubits, a descriptografia RSA, que poderia ser usada à estratégia de inteligência de “coletar agora, descriptografar depois”, estimada em exigir centenas de milhares de qubits, embora controverso na comunidade científica e não aprovado na revisão por pares, a investigação exemplifica o esforço sustentado da China que fez outras alegações quânticas como anúncios públicos sobre radares quânticos, sugerindo capacidade anti-furtividade resistente a interferências, além do 14º Plano Especial Quinquenal à Fusão Civil-Militar de Ciência e Tecnologia, destacando o QIST como imperativo nacional entre tecnologias como IA e aprendizagem automática.