segunda-feira, 18 de março de 2024

A crise do Fentanil

Anualmente nos EUA o fentanil provoca 106 mil mortes, sendo que a crise de opioides que remonta à década de 1990 e, em 14 anos, mortes por overdose aumentaram de 3 mil à 106 mil cujos usuários são descritos como "Zumbis" inundando as ruas das cidades americanas. Os opioides sintéticos, ganham notoriedade como resultado da crise de saúde que afeta os EUA estando nesta categoria a morfina, oxicodona e fentanil,  produtos químicos originalmente derivados do ópio, opiáceos, embora utilizados como anestésicos, sua principal aplicação é como analgésico potente, para aliviar dores associadas a processos cancerígenos ou pós-cirúrgicos. Apesar da eficácia clínica o uso prolongado de opioides gera tolerância aos efeitos implicando na necessidade de aumento periódico da dose para manter a  eficácia e, sem supervisão médica, a situação leva ao vício e, em doses elevadas, a mortalidade ocorre por parada respiratória, sendo exemplo conhecido a mortalidade por overdose de heroína, derivado da morfina. A atual crise americana decorre da prescrição permissiva de oxicodona e hidrocodona, bem como falta de controle sobre uso, desencadeando epidemia de dependência e, na tentativa de contê-lo, a heroína ressurgiu e o fentanil apareceu entre dependentes, opioide, sintético e economicamente acessível, ganhando espaço pela facilidade de síntese e potência 100 vezes maior que da morfina. Parte do fentanil que circula nos EUA é fabricado em laboratórios clandestinos no México utilizando matérias-primas da China enquanto sua introdução nos EUA raramente é tão pura quanto o fentanil, mais comumente encontrado como adulterante à drogas ilegais, como heroína, cocaína ou anfetaminas, além de popularizar o contrabando de analgésicos, oxicodona, hidrocodona, que contêm clandestinamente fentanil para suprir a falta de prescrição dessa substância e fidelizar o consumidor. A overdose de fentanil deve-se ao consumo, por vezes involuntário,  por utilizador que acredita adquirir heroína ou analgésicos legais e, nos EUA, as mortes por overdose aumentaram de 2012 aos dias de hoje, das quais mais de 70 mil são devidas ao fentanil ou 150 por dia, situação de proporções epidêmicas em setores da sociedade agravada pela combinação com álcool, heroína ou metadona, aumentando riscos de dependência, overdose e morte. O efeito sedativo faz com que os usuários pareçam sonolentos, letárgicos e descoordenados nos movimentos, descritos como  “zumbis” ou “mortos-vivos”, além da indução da supressão significativa da função respiratória, fazendo com que lábios e unhas adquiram tonalidade azulada devido à falta de oxigênio e, dada sua natureza viciante, os usuários de fentanil concentram as vidas na obtenção e uso da droga, negligenciando aspectos essenciais como dieta, sono e aparência pessoal, perdendo peso devido a efeito supressor do apetite que, somado ao efeito viciante, contribui para que tenham aparência visivelmente emaciada, olhos fundos e opacos. A facilidade de obtenção de prescrições de opioides, mesmo sem necessidade médica clara, contribuiu ao problema e, mesmo diante a dependência, continua a prescrição de doses cada vez maiores, em contrapartida, na Europa a prescrição destes medicamentos é regulamentada e fiscalizada evitando a magnitude da crise a nível continental uma vez que a dependência é doença que não conhece fronteiras. A luta não se limita ao campo sanitário, seus tentáculos estendem-se ao campo criminal,  sendo que a presença crescente do fentanil no México transformou o mercado do tráfico ilegal de drogas em que cartéis e redes ilegais inundam o mercado negro com quantidades maciças de fentanil, substituindo outras substâncias, como maconha e  heroína, como fontes de financiamento das organizações criminosas. Na Espanha houve ligeiro aumento na prescrição médica de tratamentos à base de fentanil de liberação imediata, a forma mais viciante, e percentagem significativa do não cumprimento das condições de utilização autorizadas, no entanto, a Agência Espanhola de Medicamentos e o sistema de saúde permanecem alerta, monitorizando utilização destes medicamentos, atualmente, não é detectado uso significativo de fentanil na população espanhola dependente cujas principais dependências concentram-se na cocaína e cannabis, enquanto na área das substâncias legalizadas, o álcool, o tabaco e os sedativos-hipnóticos continuam ser preocupações prioritárias.

Chainalysis apresentou relatório sobre o uso de criptomoedas na venda de fentanil globalmente, em que transações de fentanil com criptomoedas ultrapassam US$ 37,8 milhões desde 2018, identificando endereços de criptomoedas associados a vendedores de precursores baseados na China cujos criminosos envolvidos no tráfico usam criptomoedas para os negócios devido velocidade e anonimato, dificultando a aplicação da lei. Decorrente  recentes ações policiais e sanções internacionais, atores envolvidos em transações relacionadas ao fentanil utilizam criptomoedas para conduzir os negócios, um exemplo disto ocorreu em 2019 quando o Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros, OFAC, identificou que cidadãos chineses que participavam do tráfico internacional de opiáceos sintéticos e precursores químicos estavam lavando dinheiro utilizando bitcoin. O estudo da Chainalysis revelou que criptomoedas são utilizadas em transações ilícitas relacionadas ao fentanil devido sua velocidade, capacidade transfronteiriça e anonimato, examinou atividade de endereços criptográficos associados a produtos químicos suspeitas de vender precursores de fentanil mesmo alguns ligados a empresas envolvidas em casos criminais recentes. Alta exposição foi encontrada na América Latina, América do Norte, Europa e Ásia, além disso, foi descoberta correlação positiva entre o volume de transações das lojas de produtos químicos chineses e apreensões de fentanil na fronteira sul dos EUA, já que rastrear transações na blockchain ajuda impedir o tráfico de fentanil, destacando que a China é o principal produtor de precursores, seguida pela Índia. O processo envolve envio de precursores químicos da China e Índia ao México e América Central, onde os cartéis de drogas os utilizam para fabricar fentanil e contrabandeá-lo aos EUA, sendo que o relatório afirma que mercados dark web facilitam distribuição global de fentanil e substâncias relacionadas; no entanto, sugere que rastrear transações na blockchain pode ser indicador precoce para combater o tráfico, especificamente, a empresa destaca importância de treinar autoridades para usar ferramentas apropriadas para rastrear vendas de fentanil em criptomoeda com objetivo de identificar criminosos, reduzir o tráfico de drogas e criar ambiente seguro.

Moral da Nota:  estudo mais recente da Chainalysis, avisa que o uso ilícito de criptomoedas atingiu um recorde de US$ 20,1 bilhões em 2022 e, em 2023, a encontrou US$ 14 bilhões em atividades ilícitas, no entanto, aumentou para US$ 18 bilhões depois de descobrir novos golpes, avalia que as transações associadas a entidades sancionadas multiplicaram-se por mais de 100 mil em 2022 e representaram 44% da atividade ilícita. Explica que o volume de fundos de criptomoedas roubados aumentou 7%  em 2023, no entanto, outras transações ligadas a atividades ilícitas incluindo as relacionadas a fraudes, ransomware, terrorismo e tráfico de seres humanos diminuíram, ao passo que os fundos recebidos pela bolsa russa Garantex, sancionada pelo Departamento do Tesouro dos EUA, representaram “parte do volume ilícito de 2022”, sendo que a empresa acrescentou que a maior parte dessa atividade é de “prováveis ​​usuários russos que utilizam a bolsa”. No geral, a proporção das atividades de criptomoeda associadas a atividades ilícitas aumentou pela primeira vez desde 2019, de 0,12% em 2021 para 0,24% em 2022, sendo que a Chainalysis estima atividades registradas na blockchain e exclui crimes “fora da cadeia”, como contabilidade fraudulenta de empresas de criptografia acrescentando que, a atividade ilícita em criptomoedas continua a ser pequena parte do volume total destes ativos, representando menos de 1%.