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quarta-feira, 27 de março de 2024

Transmissão acidental

Investigação no Reino Unido apoiado pelo Conselho de Pesquisa Médica, Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde e Cuidados, NIHR, Centro de Pesquisa Biomédica do Hospital Universitário NIHR de Londres, pela Alzheimer's Research UK e Stroke Association, confirmou que 5 pacientes tratados com hormônio de crescimento contaminado oriundo de tecidos cerebrais de cadáveres, desenvolveram Doença de Alzheimer, DA, sem idade ou herança genética associada confirmando pela primeira vez transmissão acidental através de tratamento médico da proteína que causa o Alzheimer, doença até agora associada à velhice, ou, em menor grau, herança genética. A descoberta realça necessidade de precauções, conforme autores do estudo publicado na Nature Medicine tratando-se de hormônio contaminado com a proteína beta amiloide cuja acumulação responde pela Doença de Alzheimer, sendo que o hormônio de crescimento c-hGH é extraído da glândula hipófise de pessoas mortas para tratar problemas de crescimento e foi administrado em 1.848 pacientes no Reino Unido entre 1959 e 1985. A suspensão do uso em 1985 decorreu da substituição por hormônio sintético avanço pós descoberta que alguns lotes continham proteínas infectadas que causam a doença de Creutzfeldt-Jakob, conhecida como doença da vaca louca em animais, distúrbio cerebral que leva à demência e, em 2017-2018, 30 anos após o fim da utilização do tratamento, os autores do estudo analisaram amostras armazenadas do hormônio do crescimento e constataram que estavam contaminadas com a proteína beta amiloide, apesar de guardadas há décadas. Ao serem administrados em ratos, os investigadores observaram que desenvolveram Alzheimer levando a questionamentos de qual teria sido a evolução daqueles que receberam o tratamento potencialmente contaminado com a proteína beta amiloide, sendo que o estudo de 8 destes casos mostrou que 5 apresentaram sintomas de demência entre os 38 e 55 anos e, atualmente, ou foram diagnosticados com Alzheimer ou preenchem critérios diagnósticos à doença e, dos 3 restantes, uma preencheu critérios de deterioração cognitiva leve. Os autores do estudo avaliam que "não há indicação que a doença de Alzheimer possa ser transmitida entre pessoas em atividades da vida diária ou cuidados médicos de rotina, sendo que os pacientes descritos receberam tratamento médico específico interrompido em 1985", no entanto, os autores concordam que a descoberta estabelece precedente e deve levar a "rever medidas para prevenir transmissão acidental através de procedimentos médicos ou cirúrgicos a fim de evitar que casos ocorram no futuro". A presidente da Sociedade Britânica de Neurociências, na plataforma Science Media Center, não questionou os resultados do estudo, sublinhou que "não é algo que deva preocupar as pessoas" acrescentando que "não há evidências que doença de Alzheimer possa ser transmitida entre indivíduos nas atividades da vida diária, nem evidências que sugiram que procedimentos cirúrgicos atuais apresentem qualquer risco de transmissão da doença".

O novo estudo mostrou que os lotes de c-hGH continham proteína beta-amiloide e que poderia ser transmitida décadas mais tarde, estes 5 casos referidos ou revistos por investigadores e médicos de uma clínica de príons liderada por um dos investigadores principais não havendo relatos de transmissão beta-amiloide através de quaisquer outros procedimentos médicos ou cirúrgicos, enfatizam os pesquisadores, e não há evidências que o beta-amiloide possa ser transmitido em cuidados de rotina ao paciente ou em atividades diárias. No entanto, a pesquisa baseia-se em trabalho anterior  de 2015 que descobriu que amostras arquivadas de c-hGH também estavam contaminadas com proteína beta-amiloide e, em 2018, estudos em ratos mostraram que as amostras de c-hGH armazenadas por décadas podiam transmitir beta-amiloide por injeção, ao passo que pacientes do novo estudo desenvolveram sintomas neurológicos consistentes com DA entre 38 e 55 anos já que casos individuais foram encaminhados ou revistos por especialistas da Clínica Nacional de Príons no Reino Unido entre 2017 e 2022 que coordena a Monitorização de Príons, estudo longitudinal de indivíduos com doenças priônicas confirmadas, considerando Príon como proteína infecciosa responsável por causar encefalopatias ou doenças priônicas. Dos 8 casos, 3 foram diagnosticados com DA antes do encaminhamento ao ambulatório, 2 preencheram critérios à diagnóstico de DA e 3 não atenderam aos critérios. Em 3 dos pacientes, 2 dos quais tinham DA, já faleceram, sendo que análises de biomarcadores confirma o diagnóstico de DA em 2 pacientes enquanto outros casos mostraram perda progressiva de volume cerebral em imagens cerebrais ou anormalidades no líquido cefalorraquidiano, ou, evidência de depósitos de beta-amiloide na autópsia. Os casos ofereceram apresentações diversas com alguns  assintomáticos e outros não preenchiam critérios diagnósticos atuais à  DA esporádica sendo que a duração e frequência do tratamento diferiram entre participantes do estudo, assim como idade no início e término do tratamento, fatores que podem contribuir a diversificação clinica nos indivíduos, segundo investigadores. As descobertas mostram que, tal como outras doenças priônicas a DA tem 3 etiologias, esporádicas, hereditárias e adquiridas raras, ou, DA iatrogênica. Os autores esclarecem que “a síndrome clínica desenvolvida pode, portanto, ser denominada doença de Alzheimer iatrogênica e a doença de Alzheimer deve agora ser reconhecida como doença potencialmente transmissível” e "do ponto de vista prático, o relatório reforça potencial de betaamilóide como alvo à prevenção precoce e sublinha importância da cautela na preparação de instrumentos cirúrgicos, no manuseio de tecidos e na implementação de produtos biológicos terapêuticos, particularmente  derivados de fontes humanas".

Moral da Nota: cientistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, i3S, da Universidade do Porto identificam proteína que pode ter implicações na demência e perdas cognitivas, abrindo portas à "abordagens" em doenças neurológicas, entre as quais Alzheimer, publicada na revista Cell Reports e, em comunicado, o Instituto da Universidade do Porto esclarece que a investigação focou na micróglia, isto é, células imunes que desempenham papel preponderante na monitorização e eliminação das sinapses, conexões entre neurônios, assegurando seu funcionamento. No estudo, investigadores identificam proteína que "tem papel na regulação das interações da micróglia" intitulada Rac1, "critica à interação entre micróglia e sinapses, facilitando plasticidade neuronal" acrescentando que  "plasticidade é a capacidade do cérebro de se reorganizar com base em novas experiências, necessidades e influencias ambientais, permitindo aprendizagem contínua ao longo da vida", daí, capacidade de adaptação humana através de conhecimentos e experiências atribuídas pela plasticidade neuronal, sendo que com o envelhecimento e em doenças que incluem perda cognitiva, como Alzheimer, essa plasticidade tende a diminuir. As descobertas "sugerem que potenciar sinalização da proteína na micróglia abre caminhos à novas terapias, visando prevenir perdas cognitivas associadas ao envelhecimento e à demência", acrescentando os autores do estudo, que abre "perspetivas à abordagens terapêuticas à doenças neurológicas, incluindo doença de Alzheimer".

Rodapé: Micróglia, é a maior população de células imunológicas cerebrais, interage com sinapses para manter o equilíbrio cerebral e através do direcionamento genético específico de células condicionais em camundongos demonstra que a RhoGTPase Rac1 é requisito essencial à micróglia detectar e interpretar o microambiente cerebral, crucial para impulsionar plasticidade dependente da experiência, propriedade cerebral fundamental prejudicada em distúrbios neuropsiquiátricos. A ablação do Rac1 microglial afeta vias envolvidas na comunicação micróglia-sinapse, interrompe remodelação sináptica dependente da experiência e bloqueia ganhos de aprendizagem, memória e sociabilidade induzidos pelo enriquecimento ambiental, sendo que os resultados revelam Rac1 microglial como regulador central das vias envolvidas na micróglia-sinapse necessário à plasticidade sináptica dependente da experiência e desempenho cognitivo.